Um preenchimento labial malsucedido causou necrose no nariz de Thiago Delgado, um homem de 35 anos, morador de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. O procedimento estético foi realizado no mês passado por um dentista. Segundo o paciente, o profissional Ronaldo de Carvalho Kora atingiu sua artéria facial e não ofereceu o devido tratamento. Agora, com o rosto desfigurado, ele precisará se submeter a uma cirurgia de reconstrução nasal e, até o momento, soma R$ 25 mil de prejuízo.“Só Deus sabe o tamanho do meu sofrimento. Os meus dias se resumem a consultas e mais consultas”, lamenta o rapaz em entrevista ao Metrópoles.A clínica responsável pelo procedimento médica foi a OdontoKora, no centro do município. Amparado por uma equipe jurídica, Thiago move uma ação contra a empresa.O paciente diz ter notado que algo estava assustadoramente errado instantes após a aplicação de ácido hialurônico em seu lábio superior, no dia 11 de junho. Ele relatou sentir muito dor ao dentista e, em seguida, viu outro profissional entrar no consultório. Para sua surpresa, os dois teriam dado início a uma vídeochamada com um professor de harmonização facial.“Além de outras pessoas terem intervido sem a autorização do paciente, o dentista responsável pelo procedimento não informou em nenhum momento a possibilidade de eventuais complicações, o que deve ser realizado sempre através de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)”, opina o advogado da vítima, Uilian Loose.O caso
No dia seguinte, Thiago teria retornado à clinica para reaplicar uma enzima que facilita a absorção do ácido hialurônico pelo organismo. Após sair de lá, ainda com muita dor, o rapaz alegar ter procurado uma Unidade de Saúde, onde recebeu morfina. Ele foi encaminhado a um hospital depois de sentir formigamento na região dos braços.A dermatologista Gabriela Munhoz, especialista em complicações de preenchimento com ácido hialurônico, diz que o caso de Thiago é o mais grave que ela já viu. “O quadro poderia ter sido revertido se tratado como uma emergência médica. Porém, o paciente só chegou até a nossa equipe após quatro dias do acidente vascular”, detalha. “Resumindo: uma tragédia que poderia ter sido evitada”, comenta.Ela pontua que dermatologistas também estão suscetíveis a enfrentar esse tipo de situação. “Qualquer procedimento estético é passível de complicações. A questão nesse caso é que o profissional não soube reconhecer e tratar prontamente o problema”, avalia.O que também chamou atenção de Gabriela e sua equipe foi o fato de o dentista ter realizado o preenchimento com agulha ao invés de cânula, mais recomendada para esse tipo de intervenção estética.Ação
Na ação movida contra a clínica, o advogado de Thiago ainda pontua que o Conselho Federal de Odontologia (CFO) permite que dentistas realizem procedimentos invasivos, como o preenchimento de ácido hialurônico. No entanto, a Lei 12.482/2013 (Lei do Ato Médico) diz que os procedimentos invasivos são atividades privativas dos profissionais da Medicina.“Esse é um ponto polêmico, pois o CFO permite desde 2019 que dentistas realizem esse tipo de procedimento, mas o Conselho Federal de Medicina (CFM) entende como um ato médico”, explica Gabriela Munhoz.“Sem dúvida, a minha equipe tem visto um aumento do número de casos de complicações provenientes de procedimentos realizados por dentistas”, continua.Para arcar com os custos do tratamento, que inclui ao menos três cirurgias, a família de Thiago Delgado lançou uma vaquinha on-line. As doações podem ser realizadas através deste link. “O dentista chegou a pagar o início do tratamento, mas abandonou e parou de nos responder”, informa Uilian Loose.Outro lado
Procurado pelo Metrópoles, Ronaldo de Carvalho Kora, profissional responsável pelo preenchimento labial de Thiago e dono do consultório OdontoKora, afirma ter realizado outros procedimentos estéticos no paciente, sem qualquer intercorrência.“Infelizmente, na terceira intervenção, a de preenchimento labial, o paciente apresentou um efeito adverso”, conta.Ele garante ter seguido todos os protocolos corretos para reverter o quadro: “Assim que o paciente relatou os primeiros sintomas de uma possível intercorrência, de forma imediata, iniciei o procedimento de reversão do ocorrido. Além do pronto auxílio, busquei outros profissionais extremamente experientes para reversão da possível obstrução vascular. Entretanto, o paciente não se dispôs a seguir integralmente com a conduta adotada e resolveu buscar auxílio com outro profissional”.Ainda assim, ele diz ter arcado com as despesas de exames, estadia, consultas médicas e procedimentos de Thiago. “Tenho 14 anos de formado e sou especialista em harmonização orofacial. Todo procedimento estético está sujeito a intercorrências, independentemente do profissional responsável pela realização. Mas posso garantir que complicações médicas não são comuns em meu consultório”, finaliza, lamentando não ter tido acesso aos novos prontuários do paciente.A equipe jurídica da vítima registrará um boletim de ocorrência, uma denúncia ao Conselho Federal de Odontologia e uma ação civil privada contra o dentista e sua equipe.Fonte: Metrópoles