Pesquisadores norte-americanos anunciaram, ontem, o terceiro caso de cura por HIV da história. A paciente, uma mulher de etnias miscigenadas, recebeu células sanguíneas retiradas do cordão umbilical de um doador que carrega uma mutação capaz de bloquear a entrada do vírus da Aids nas células. De acordo com os responsáveis pelo experimento, a técnica promete aumentar as possibilidades de tratamento para pessoas de diversas origens raciais, defenderam os autores do trabalho. A pesquisa foi apresentada durante a Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, realizada nos Estados Unidos.
A participante do estudo, assim como os pacientes curados anteriormente do vírus, também foi diagnosticada com leucemia (leia mais nesta página). Para tratar o tumor, ela passou por um transplante de células sanguíneas retiradas de um cordão umbilical, proveniente de um doador não totalmente compatível; ou seja, sem características fenotípicas nem etnia semelhantes às da receptora.
Os responsáveis pelo procedimento explicaram que, devido à demora de cerca de seis semanas para que as células transplantadas fossem enxertadas com sucesso, a voluntária também recebeu células-tronco sanguíneas compatíveis, retiradas de um parente de primeiro grau. “Estas sustentaram seu sistema imunológico até que as células do sangue do cordão umbilical se tornassem dominantes, tornando o transplante muito menos perigoso”, explicou ao jornal The New York Times Marshall Glesby, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Medicina Weill Cornell, nos Estados Unidos, e um dos responsáveis pela pesquisa. “O transplante proveniente desse parente é como uma ponte que a levou até o ponto em que o sangue do cordão umbilical pode assumir o controle”, acrescentou o especialista.
Os pesquisadores revelaram que o procedimento rendeu resultados positivos, com a paciente recebendo alta 17 dias após o transplante, e sem desenvolver rejeição, um problema chamado de doença do enxerto versus hospedeiro, que foi registrado nas outras duas pessoas curadas do HIV. De acordo com os cientistas, mais de 14 meses depois do procedimento, a voluntária não demonstrava sinais do vírus, sem anticorpos detectáveis em seus exames de sangue.
Com a estabilidade conquistada, a voluntária decidiu descontinuar a terapia antirretroviral 37 meses após o transplante. A mulher, que já passou da meia idade, e que não quis revelar a identidade, foi diagnosticada com HIV em junho de 2013. Ela recebeu o tratamento padrão para a doença, e os medicamentos mantiveram sua carga viral baixa. Mas, em março de 2017, a paciente foi diagnosticada com leucemia mieloide aguda, o que abriu as portas para a realização do experimento.
Diferencial
A grande inovação da técnica apresentada pelos pesquisadores americanos foi o uso das células-tronco do sangue do cordão umbilical, mas os especialistas ainda não sabem explicar por que elas renderam resultados tão positivos. Os pesquisadores apostam na presença de elementos além das células-tronco, que também auxiliam no processo de combate ao HIV, e uma capacidade maior de as células se adaptarem a novos ambientes. “São células recém-nascidas, por isso mais adaptáveis”, detalhou Koen Van Besien, diretor do serviço de transplante da Weill Cornell, e também responsável pelo procedimento.
Outra vantagem do sangue retirado do cordão umbilical é a sua disponibilidade, que é bem maior que as células-tronco adultas usadas normalmente em transplantes de medula óssea, além de dispensar a compatibilidade total com o receptor. “A maioria dos doadores nos bancos é de origem caucasiana, por isso, quando temos apenas uma correspondência parcial, o cenário já muda bastante. Agora, temos o potencial de curar dezenas de indivíduos que têm HIV e câncer a cada ano” , defenderam os autores do trabalho.
Rodrigo Molina, infectologista e professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Minas Gerais, acredita que o novo caso de cura de HIV se destaca por ter sido usado um material não tão compatível à receptora, e ainda assim ter rendido frutos positivos. “Os outros dois pacientes curados eram caucasianos. Pela primeira vez, temos o caso de um indivíduo miscigenado. Abrir as portas para um tratamento eficaz independentemente da etnia do doente é algo muito promissor”, destaca o especialista.
Molina também ressalta que o uso das células provenientes do cordão umbilical é um grande trunfo dos pesquisadores, mas frisa que, ainda assim, o tratamento apresenta algumas barreiras, pois exige uma série de etapas a serem cumpridas. “Além de a paciente já sofrer de um câncer hematológico, o que exigia o transplante e não é o mesmo cenário para outros indivíduos com HIV, é um procedimento muito dispendioso, em que precisamos também de uma quimioterapia pesada”, detalha o médico.
O especialista acredita que, futuramente, surjam terapias menos caras e complicadas. “Temos muitos pesquisadores, alguns deles brasileiros, em busca de algo menos trabalhoso, com técnicas que não exijam transplantes para o uso dessas células-tronco, e que podem ser uma opção para grupos maiores de pacientes”, detalha. “Ainda assim, esses resultados são muito positivos, e nos deixam felizes, pois vemos que estamos chegando cada vez mais perto de uma cura para todos”, acrescenta.
Casos anteriores
Os dois casos anteriores de cura por HIV foram de homens. Timothy Ray Brown, conhecido como “o paciente de Berlim”, ficou totalmente livre do vírus por 12 anos, até falecer em 2020 devido à leucemia. Em 2019, foi a vez de Adam Castillejo, o “paciente de Londres”, que também passou pelo mesmo tipo de tratamento. Os dois sofriam de tumores sanguíneos, e, por isso, receberam transplantes de medula óssea de doadores com mutações que bloqueiam o HIV. Apesar do sucesso, a dupla apresentou alguns problemas de saúde, desencadeadas pela doença do enxerto versus hospedeiro, com Brown quase falecendo após o procedimento. O caso de Castillejo foi menos grave, mas ele perdeu bastante peso (quase 70kg), desenvolveu perda auditiva e sofreu uma série de infecções.
Fonte: Correio Braziliense