No Dia Mundial da Água, quando se multiplicam os alertas pela preservação de um bem natural do qual depende todo tipo de vida, um dos exemplos de administração de recursos hídricos pode vir da região do país em que eles são menos disponíveis. A professora Irene Maria Cardoso, voluntária do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa (UFV), explica que no Nordeste brasileiro se desenvolve um programa de convivência com o semiárido que evita jogar a culpa em escassez ou na má distribuição de água ao longo do ano, o que não se vê em outros biomas.
Um projeto que se desenvolveu “muito em função de atuações das organizações da sociedade civil na Articulação do Semi Árido (ASA), com apoio de políticas do governo federal até 2018”, explica Irene Cardoso. A ASA tem um trabalho importante articulado de coleta de água da chuva, tratada para que possa servir para pessoas, animais e plantas.
“Não vejo em outros biomas brasileiros – amazônia, cerrado, mata atlântica, pampas –, um programa com tamanha envergadura. O cerrado, por exemplo, é nossa caixa d’água, no Brasil. É extremamente importante para o abastecimento de nossos principais rios. Mas não vejo um programa governamental que cuide do cerrado. O que se vê cada vez mais é apoio ao agronegócio”, avalia ela. E compara: “A mata atlântica levou 500 anos para ser destruída; o cerrado levou 20. As ações são isoladas e, pelo contrário, vemos no governo federal um desmonte de todas as políticas de cuidado com o ambiente”, afirma.
A agrônoma, doutora em ciências ambientais e presidente por quatro anos da Associação Brasileira de Agroecologia avalia que há ações para cuidado com as águas nas diferentes esferas de governo (federal, estaduais e municipais), mas avalia que são “pouco articuladas”. “É preciso pensar a forte relação entre água, biodiversidade, solo e ar. Estão conectados. Não adianta pensar em ação em um desses componentes sem pensar no outro.” O solo, explica ela, purifica a água, exerce função de um filtro que abastece os mananciais e nascentes, e estes abastecerão os rios. É como se a nascente fosse uma torneira, mas a caixa d’água é o solo, que precisa estar protegido, coberto, estruturado, preservando os poros de infiltração da água.
Uma vez sem vegetação, a intensidade de chuvas, principalmente nos trópicos, desagrega as partículas, que são carregadas pela enxurrada, causando erosão. Esse material vai para os rios e assoreia também nascentes. “Precisamos que a água caia e se infiltre, e para isso o solo precisa estar protegido, coberto”, explica a especialista. É preciso cuidado com uso de máquinas que compactam os terrenos, assim como as patas do gado, quando a pastagem não é bem tratada.
A vegetação é a proteção, e um solo poroso abriga uma comunidade de seres escondidos, que precisa de alimento. “Vida no solo é como gente, come as mesmas coisas, mas processadas de outras formas. Vivem de matéria orgânica, pode ser fruto, folha ou galhos podres. Então essa vida no solo precisa ser alimentada.” A vegetação também protege dos fortes raios solares, que esterilizam a terra. “Cuidar da água é também ter cuidados com o solo, a vegetação e com o ar.”
Retomando o caminho da roça
Irene Cardoso defende que a contribuição para uma qualidade ambiental melhor passa por “consciência política, porque políticas ambientais, cuidados com meio ambiente e fortalecimento das instituições que cuidam do meio ambiente não caem do céu. Precisamos entender que é preciso atuar politicamente se quer proteger o ambiente. Isso é política pública e depende de quem está nos governos. Tenho que procurar saber o que está acontecendo, interagindo e participando da vida política do país, antes durante e depois de eleição.
Mas atitudes “que parecem pouco” também podem fazer a diferença. A começar por se pensar de onde vem o alimento, quem produz, como é produzido. Entender que quem compra produto de um agricultor familiar, que não usa produtos químicos, está ajudando a proteger as águas. “Reaprender o caminho da roça pode ser, inclusive, mudar para a roça, mas também reconhecer, valorizar respeitar quem mora lá e cuida da sua água. E conhecer como é produzido, beneficiado e comercializado seu alimento”, afirma Irene.
Onde dispenso minha água?
A professora da UFV lembra ainda que as águas usadas em ambiente doméstico podem ser reutilizadas. “Se tenho condição de separar as águas cinzas (de chuveiro, de pia de cozinha), essa água tem um tratamento mais fácil, pode servir de irrigação, passando por pequenos poços que melhoram sua qualidade”, explica.
Águas de vaso sanitário, mais sujas, podem ser conduzidas a fossas biodigestoras de fácil construção e manutenção em pequenos espaços. “Não se deve pensar que só governos precisam tratar a água em grandes usinas. Enquanto o Brasil importa mais de 90% do potássio, mais 70% nitrogênio, mais de 50% do fósforo que utiliza, a gente joga nossos resíduos, que podem alimentar o solo, para poluir as águas.”
Segundo a Copasa, o número de domicílios atendidos com disponibilidade de rede de distribuição de água na área de concessão da empresa e da Copanor é de 5.496.056, o que representa 99,4% dos imóveis residenciais das cidades atendidas pela empresa, contemplando aproximadamente 11,8 milhões de pessoas. Os domicílios atendidos com disponibilidade de rede coletora e tratamento de esgoto na área de concessão são 3.221.654, o que representa 71,9% dos imóveis residenciais das cidades atendidas pela empresa, contemplando 8,4 milhões de habitantes.
Desde 2017, a companhia desenvolve o Pró-Mananciais, “visando proteger e recuperar as microbacias hidrográficas e as áreas de recarga dos aquíferos utilizados na captação de água para tratamento e distribuição ao público”. “A atuação socioambiental da Copasa é pautada na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), em seus respectivos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e nos dez princípios do Pacto Global. O Pró-Mananciais integra o ODS 6 – Água e Saneamento, que tem entre suas metas melhorar a qualidade de água dos corpos d’água, apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais para melhorar a gestão da água e do saneamento”, informa a empresa.
Pouca água para muita demanda
A importância da água para o planeta é inquestionável. Qualquer organismo na Terra é composto em sua maioria pelo líquido. Para ajudar a conservá-lo, em 22 de março de 1992 a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Dia Mundial da Água. É um esforço da comunidade internacional para colocar em pauta questões essenciais que envolvem os recursos hídricos.
Estima-se que 97,5% da água existente no mundo seja salgada, portanto não é adequada ao consumo humano direto nem à irrigação de lavouras. Dos 2,5% de água doce, a maior parte (69%) é de difícil acesso, pois está concentrada nas geleiras, 30% são águas subterrâneas (armazenadas em aquíferos) e só 1% se encontra nos rios e outros mananciais de superfície. Logo, o uso desse bem precisa ser pensado para que não prejudique nenhum dos diferentes usos que ela tem para a vida humana.
A água não está limitada às fronteiras políticas dos países, razão pela qual quase metade da superfície terrestre é conformada por bacias hidrográficas de rios compartilhados por duas ou mais nações. O Brasil compartilha cerca de 82 rios com países vizinhos, incluindo importantes bacias como a do Amazonas e a do Prata, além de sistemas de aquíferos Guarani e Amazonas, segundo a Agência Nacional das Águas (ANA).
Fonte: Correio Braziliense