Em 21 de abril de 1926, nascia Elizabeth Alexandra Mary. Aos 25 anos, ela ascendeu ao posto de rainha britânica. Na mesma data de aniversário da soberana, em 1960, e do outro lado do Oceano Atlântico, surgia uma nova capital em solo brasileiro: Brasília.Tanto sua majestade quanto a cidade estruturada pelo então presidente da República Juscelino Kubitschek trazem na certidão de nascimento o mesmo dia de aniversário, o que muda são os 34 anos de diferença. Caso esteja se questionando onde a Coluna Claudia Meireles quer chegar, aperte os cintos para fazer uma viagem ao túnel do tempo, ou melhor, pela visita da matriarca da dinastia Windsor no Quadradinho do Distrito Federal, em 1968.Nos anos anteriores, a coluna costumava homenagear as duas aniversariantes do dia de maneira separada. Desta vez, em um momento de insight resolveu unir duas paixões: Brasília e realeza. O resultado dessa “nobre” união você verá a seguir com os relatos de historiadores e de personalidades que fizeram as honras da casa quando Elizabeth e o marido, o príncipe Philip, desembarcaram em terras brasilienses.Pouso na cidade em formato de avião
O primeiro a compartilhar tintim por tintim tudo o que sabe sobre a visita de sua majestade a Brasília é o curador e historiador Cláudio Pereira. De acordo com o expert, a rainha e o marido vieram ao país em aviões separados da Força Aérea Britânica (Royal Air Force). Philip, o duque de Edimburgo, pousou em Recife cerca de 15 a 20 minutos antes que a esposa, conforme demanda um princípio real.“É uma regra de elegância no qual o príncipe recebe a sua rainha. Ela chega ao local já com a presença dele”, explica o pesquisador.Outro motivo pelo qual o casal desembarcou em aeronaves diferentes é um protocolo sagrado de segurança da monarquia britânica. A rígida regra proíbe que membros reais viajem juntos.Segundo Cláudio Pereira, o itinerário da viagem começou em Recife. Em seguida, houve paradas obrigatórias em Salvador, Brasília, São Paulo, Campinas e, por fim, Rio de Janeiro. Depois da Cidade Maravilhosa, eles foram para o Chile. “O casal finaliza a viagem no Rio de Janeiro, onde um iate Britannia foi deslocado e ficou ancorado. Nele, Elizabeth e Philip ofereceram um banquete às autoridades brasileiras”, rememora o historiador com afinco.“A rainha e o duque fizeram um roteiro político, diplomático e cultural. Elas foram às capitais em função de tratados de amizades. A viagem durou mais de 10 dias”Cláudio Pereira, curador e historiador
Rainha conhece a capital sonhada por JK
Construída entre 1956 e 1960, Brasília encantou a monarca à primeira vista por apresentar um cenário fresco e moderno. Elizabeth desfilou pela capital federal, concretizada por Juscelino Kubitschek, oito anos depois de a cidade ser oficialmente inaugurada. Projetado por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, o Quadradinho, que estava iniciando os primeiros capítulos de sua história, celebrou a chegada da majestosa rainha.“Naquela época, todos os visitantes importantes ficavam lá”, diz o desembargador aposentado José de Campos Amaral. Também fazem parte da extensa lista de hóspedes ilustres os ex-presidentes dos Estados Unidos Jimmy Carter e Ronald Reagan; o ex-presidente francês Charles De Gaulle; e a ex-primeira-ministra da Índia Indira Gandhi.Memórias sobre a vinda da rainha
Em entrevista à coluna, o magistrado José de Campos Amaral compartilha um pouco sobre sua participação na vinda da rainha Elizabeth a Brasília:“Naquela ocasião, a rainha Elizabeth e o príncipe Philip visitaram o Brasil a convite do presidente Costa e Silva. Em Brasília, eles foram recepcionados pelo último prefeito do Distrito Federal, o engenheiro Wadjô da Costa Gomide. Quando terminou o mandato dele, houve uma modificação na Constituição e o cargo de prefeito foi sucedido pelo o de governador”, relata o desembargador.À época, José de Campos Amaral era procurador-geral do DF, e acompanhou o prefeito na recepção da monarca do Reino Unido. Segundo ele, estavam entre as autoridades no evento alguns secretários de Estado. O magistrado ficou impressionado com a jovialidade da comandante do trono durante um jantar no Palácio do Itamaraty: “Naquele tempo, ela estava ainda bem jovem”.O então procurador chegou a ver a rainha, mas não cumprimentá-la nem fazer a tradicional reverência. “Era muito difícil chegar perto dela. Tinha muita gente em volta. O prestígio dela é muito grande. Elizabeth trouxe a Inglaterra ao Brasil, e representou um país muito forte. Todo mundo gostaria de vê-la”, declara.De acordo com o historiador Cláudio Pereira, o evento no Itamaraty tratou-se de um jantar de gala oferecido pelo prefeito Wadjô da Costa Gomide e a esposa, a primeira-dama Maria Helena Gomide. Essa última, inclusive, inaugurou uma exposição pública que exibiu 12 joias da Coroa Imperial Britânica no Centro Automobilístico de Brasília (Posto de Valença). As peças chegaram à capital acompanhadas de dois guardas imperiais do Palácio de Buckingham.Marcaram presença na abertura da mostra o padre Horta, à época coordenador da campanha em prol das obras da Catedral; o então diretor do Departamento de Turismo (Detur) Sebastião Medeiros; a primeira-dama da cidade Maria Helena Gomide; e o então arcebispo de Brasília Dom José Newton.Cláudio Pereira relembra que Elizabeth e o duque de Edimburgo também fizeram um tour pela capital. “Eles foram ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto…”, informa.O encontro entre rainha e primeira-dama
Em conversa com a coluna, Maria Helena Gomide, de 76 anos, recorda com emoção o momento único vivido: “Foi um privilégio, um deslumbramento. O povo ficou enlouquecido com a rainha. Ela, simpaticíssima. Fiquei encantada com a paciência e com a delicadeza da monarca ao cumprimentar todo mundo. Elizabeth tinha olhos maravilhosos, em tom de violeta. O Philip era educadíssimo. Ambos simples, mas chiquérrimos”, fala a mãe de quatro filhos e sete netos.A primeira-dama de Brasília afirma que acompanhou o casal em uma visita a uma escola na 308 Sul, em seguida, foram juntos para a Torre de TV, icônico monumento da capital federal. “Naquele tempo, esses grandes personagens ficaram curiosos para conhecer Brasília. O ponto mais alto que tinha para se ter uma visão do local era a torre”, diz ela.Maria Helena lembra que o marido, Wadjô da Costa Gomide, era engenheiro, além de prefeito. O político explicou ao duque de Edimburgo e à rainha cada detalhe da capital federal, apontando onde ficava cada monumento. “Eles nos deram esculturas de um casal de cisnes negros e nós demos a eles um casal de onças. Essa entrega ocorreu em baixo da Torre de TV. Estava lotado de pessoas ao redor”, destaca.Para a então primeira-dama, a recepção no Palácio do Itamaraty foi a melhor festa já ocorrida ali. “Foi todo aquele glamour. Algo belíssimo. Não tenho palavras para descrever. A rainha é unanimidade em requinte, delicadeza, enfim, em tudo”, expõe.No dia seguinte ao jantar de honra no palácio, os integrantes da realeza britânica e as autoridades brasileiras se direcionaram para o aeroporto, onde se despediram. “Eles iam para o Rio de Janeiro. Fomos convidados para uma recepção no iate Britannia, mas eu estava grávida do meu primeiro filho e meu médico me aconselhou a não ir”, relembra Maria Helena.Paixão traduzida em palavras
Apaixonada pela capital de JK, a personalidade faz questão de salientar o quanto admira a cidade. “Eu amo Brasília e tudo o que se refere a ela. Nós viajamos o mundo, mas o melhor lugar é aqui”, enfatiza Maria Helena Gomide, que chegou à região aos 20 anos. Ela reside na cidade há 56 anos.A primeira-dama ainda reforça a importante atuação do marido, o último prefeito do Distrito Federal. Na avaliação dela, Wadjô da Costa Gomide tinha o sonho de construir uma “cidade satélite” próxima ao Plano Piloto. O objetivo do projeto? Possibilitar as pessoas que trabalhavam na região pudessem se locomover mais facilmente. Idealista, o desejo virou realidade. “Ele construiu o Guará, inaugurado em abril de 1969, no dia do aniversário de Brasília. Quando eu vejo a maravilha que ficou a região, com tantos benefícios, uma cidade tão progressista, só tenho a admirar”, proclama.“Wadjô atuou como engenheiro, graduado pela universidade de Belo Horizonte. Veio para Brasília em 1959, e foi escolhido pelo presidente Costa e Silva por ser um profissional que conhecia bem a cidade. Ele queria uma pessoa que soubesse dos programas locais e tivesse essa vontade de impulsionar a capital sem o perigo de querer voltar atrás. O escolheram pelo trabalho desempenhado desde que chegou aqui”, anuncia Maria Helena Gomide, com felicidade no tom de voz.Desatando laços
Conforme o curador aponta, segundo consta na cultura verbal, Elizabeth inaugurou o recém-construído anexo do Brasília Palace Hotel, que funcionou por alguns anos como restaurante, clube das Forças Armadas e casarão do samba, entre outras finalidades. “Em 1987, foi lançado um museu no local, para reunir o acervo que já pertencia ao Governo do Distrito Federal”, completa.Em São Paulo, não foi diferente. A abertura da nova sede do Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista, que tomou forma no dia 8 de novembro de 1968, contou com a presença de sua majestade e do príncipe Philip, com direito a um discurso especial durante a cerimônia de inauguração.Mais histórias pelo Brasil
Já no Rio de Janeiro, Elizabeth participou do lançamento da pedra fundamental da ponte Rio-Niterói, ocorrido no dia 9 de novembro. Ela e o marido foram recebidos pelo então ministro dos Transportes Mário Andreazza.Ainda na Cidade Maravilhosa, a monarca teve a experiência desejável de assistir a um jogo de futebol entre as federações paulista e carioca no estádio Maracanã. Ao fim da partida, a soberana entregou a taça simbólica ao rei do futebol, Pelé. “O jogo foi a última programação na agenda de Elizabeth no Brasil”, cita Cláudio Pereira.De acordo com o historiador, quando uma autoridade vem ao país, organiza-se situações que tenham identificação com aquela pessoa. “Como o futebol é uma tradição inglesa, foi incluído esse roteiro do Maracanã”, garante.Fonte: Metrópoles