Encontrar um momento de silêncio no dia pode ser desafiador para quem mora na capital federal. O barulho excessivo causado pelo trânsito urbano, construções, ambientes escolares e uma infinidade de outros ruídos fazem parte da trilha sonora da rotina de muitas pessoas e preocupa especialistas. Do total de queixas que chegaram à ouvidoria do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), em 2021, 83% são por barulho excessivo, ou seja, poluição sonora. Apesar de provocarem uma série de doenças, os impactos do problema ainda passam despercebidos pelos moradores do Distrito Federal e acendem o alerta, não só pelos riscos a humanos, mas também porque afeta o desenvolvimento de plantas e a saúde dos animais. A poluição sonora é a segunda maior causa de problemas ambientais, perdendo apenas para poluição do ar.De acordo com o levantamento do Ibram, a quantidade de autuações gerais relacionadas a excesso de barulho — incluindo advertência, multa, interdição parcial ou total e apreensões — aumentou desde 2018, quando o órgão registrou 313 autuações. Em 2019, o levantamento foi de 457. Mas, com a chegada da pandemia, em 2020, e a restrição do funcionamento de bares e restaurantes, além do lockdown, o número caiu 357%, se comparado com o ano anterior. Em 2020, a quantidade de autuações foi de 128 e, em 2021, o valor aumentou 197%: foram aplicados 252 autos.Diretor de Fiscalização Ambiental do Brasília Ambiental, Douglas Pena destaca que a redução se justifica pela pandemia. “Não havia shows, música ao vivo, aglomerações porque os estabelecimentos foram impedidos de realizarem suas atividades de forma plena. Por isso vemos essa redução absurda”, cita. Mas, a flexibilização dos decretos distritais corroboraram para um novo aumento. Até 30 de abril deste ano, foram registradas 133 infrações. “O principal causador de poluição sonora no DF ainda é o estabelecimento comercial, que executa músicas muito acima do permitido e isso incomoda a população. A previsão é que esse valor de 2022 ainda dobre. Ao que tudo indica, devemos voltar para os dados de 2018, já que tudo está funcionando de novo”, explica.Segundo Douglas, atualmente, a poluição sonora se enquadra na Lei Distrital nº 4.092/2008, que estabelece as normas gerais sobre o controle da poluição sonora e dispõe sobre os limites máximos de intensidade da emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais no DF. Ainda, de acordo com o diretor, o crime entra como perturbação de sossego. “Temos uma população muito esclarecida quanto aos seus direitos, e que tende a acionar os órgãos no sentido de coibir essas inconformidades com a legislação”, diz.Apesar disso, Douglas explica que os moradores do DF ainda não têm total compreensão das consequências que o excesso de barulho podem causar na saúde. “A poluição sonora é a segunda maior causa de problemas ambientais, perdendo apenas para a poluição do ar”, reitera.A dona de casa Camila David Miranda de Carvalho, 24 anos, é moradora da Asa Norte, e relata o incômodo que bares, restaurantes e casas de festa causam para os moradores da região. “A quadra costuma ser silenciosa, geralmente ouvimos muito som de criança, a maioria dos vizinhos são idosos ou famílias e essa paz se mantém. O que mais incomoda é o barzinho que tem aqui perto, que de quinta a domingo costuma manter ruídos altos. Geralmente não é respeitada a lei de limite de horário e isso incomoda muito”, diz Camila.Apesar da fiscalização se manter no ambiente, Camila diz que o espaço costuma quebrar regras. “A gente costuma fechar as janelas para evitar o problema, até porque não tem muito o que fazer. Ainda que chamem a polícia eles voltam a tocar música, 22h, 23h. Fica cansativo pedir socorro o tempo todo”, lamenta. Mãe de duas crianças, casada, Camila explica que o barulho atrapalha a rotina da família. “Normalmente é o horário que eu e meu esposo temos de descanso. Às vezes queremos conversar, assistir televisão, mas não conseguimos porque atrapalha. Meus filhos não têm boa noite de sono, e isso é difícil, principalmente por serem crianças pequenas. Além de gerar dor de cabeça, tontura. Não é fácil”, lamenta.O otorrinolaringologista e professor da Universidade Católica, Gustavo Rezende, explica de que forma o excesso de barulhos pode afetar a saúde humana. De acordo com ele, a poluição sonora pode causar perdas auditivas irreversíveis , além do aumento do risco de doenças cardiovasculares a longo prazo. “O ruído intenso apresenta uma grande energia cinética que lesa células ciliadas ultra especializadas da cóclea, no ouvido interno, gerando surdez permanente. Também pode ocorrer alterações não auditivas, por vasoconstrição periférica e stress oxidativo celular, como tremores, alterações de humor, hipertensão arterial e insônia”, cita.Na fauna e na floraUm problema que vai além da dor de cabeça causada no homem. A poluição sonora pode causar efeitos devastadores, também, no meio ambiente. É o que explica o diretor de biodiversidade do Jardim Botânico de Brasília (JBB), Estevão Nascimento. De acordo com ele, o som é uma vibração, que pode ser captada tanto pelas plantas quanto pelos animais e, hoje, já se sabe que existe um impacto do excesso de ruídos na fauna e flora. “Animais normalmente têm alguns órgãos específicos que fazem essas captações. No caso das plantas, não existem esses órgãos, e todos pensavam que elas não tinham capacidade de escutar. Mas, hoje, já se sabe que como o som é uma vibração, ele pode interagir com objetos diversos”, cita o diretor.Segundo Estevão, alguns estudos hoje, já mostram, que as plantas reagem a estímulos de som, de uma forma mecânica. “O som bate em uma molécula de proteína, de membrana específica, faz ela vibrar e isso acaba gerando uma reação em cadeia, que pode causar a produção de hormônios, proteínas, influenciando no crescimento da planta”, cita. O excesso de ruídos também impacta na vida animal do DF. De acordo com o especialista, é comum o afastamento dos animais em regiões onde há poluição sonora. “Temos pássaros no DF, por exemplo, que vocalizam sons para manterem suas relações com o ambiente. Com o excesso de sons, podem não conseguir fazer de forma eficaz, e migram para outros locais”, diz.Fonte: Correio Braziliense