Criado com a proposta de ser o maior festival de cultura negra do mundo, o “Afropunk” encerrou na noite de domingo o final de semana de shows de sua segunda edição, a primeira com força total desde o controle da pandemia de covid-19.O Parque de Exposições, em Salvador, foi tomado por uma imensidade de pessoas negras, famosas e anônimas, que vieram de diversas partes do País para curtir um festival musical e de moda, que tinha como proposta celebrar a negritude.O “Afropunk” apostou em dois palcos, o Agô e Gira, que foram tomados por artistas, todos negros, de diferentes gerações e estilos. Os grandes destaques do evento foram os shows de Ludmilla (que não se intimidou com a chuva), Emicida, Baco Exu do Blues, Liniker e Margareth Menezes. O rapper paulista, aliás, cantou pela primeira vez o show “Amarelo” desde o final das eleições e tirou lágrimas do público. Embora não tenha lotado o amplo espaço do Parque de Exposições, o Afropunk recebeu uma quantidade grande de pessoas. A estrutura foi um pouco prejudicada pela chuva incessante que caiu em Salvador durante todo o final de semana.Excelência preta é ter duas Grammy winners no palco do maior festival de cultura negra do mundo! 🖤✊🏿📸: Sercio Freitas#AFROPUNK #AFROPUNKBahia pic.twitter.com/HptIMoUAci— AFROPUNK Bahia (@afropunkbahia) November 28, 2022Acessibilidade no ‘Afropunk’
Possas d’água e um pouco de lama dificultaram a locomoção e o desfile de roupas e cabelos, um mais estiloso do que o outro. Acessibilidade, aliás, foi um dos principais objetivos do “Afropunk”, que se colocou como um festival inclusivo para público PcD. Dandara, de 28 anos, fazia parte da equipe de organização da entrada do público logo em frente à bilheteria. A jovem cadeirante demonstrou certa insatisfação com a acessibilidade durante o “Afropunk”, sobretudo o acesso aos banheiros.“[A acessibilidade] não está 100%, acho que está 60% mais ou menos”, disse ao Hypeness Dandara que trabalha também na organização de jogos do Bahia. Ela diz que os outros eventos em que esteve trabalhando proporcionaram uma estrutura para PcDs melhor do que a disponibilizada pelo Afropunk. “Em relação ao banheiro, a rampa correta, eles colocam uma rampa [muito íngreme]. Não tem com o cadeirante subir a rampa em pé”, finaliza.O ‘Afropunk’ demonstrou compromisso com a acessibilidadeA reportagem do Hypeness circulou por todo o espaço do Parque de Exposições durante o domingo. O que mais chamou a atenção foram as poças d’água e os buracos ao longo do percurso. “A acessibilidade tá ok, pode melhorar, mas não é somente uma questão de se divertir, é de se pertencer. Eu pertenço a esse lugar, eu preciso estar nesse lugar, mas eu também preciso me sentir bem na totalidade dele. Por isso, eu acho importante que, futuramente, a produção do evento aumente a quantidade de pessoas com deficiência trabalhando no evento”, declarou Maeli, que é cadeirante, ao Hypeness. Assim como Dandara, Maeli, de 38 anos, a dificuldade de acessar os banheiros foi citada como o ponto negativo da estrutura do Afropunk. “Deixou a desejar”.Sensação de pertencimento
O que mais foi dito pelas pessoas com deficiência ouvidas pelo Hypeness foi a sensação de pertencimento, o que demonstra que a organização do “Afropunk” está no caminho certo. “A gente percebe nos detalhes o esforço que eles fizeram para poder nos tornar pertencentes”. A jovem Maeli citou ainda a evolução de acessibilidade em relação à primeira edição do “Afropunk”. “Hoje eu me sinto mais pertencente do que na edição anterior. Eu acredito que não me senti olhada como se fosse um favor. Só pra dizer que tem. Nesse ano eu tô me sentindo realmente incluída, mas esse olhar pode ser ampliado para trazer mais dos nossos”, pontuou ela, que esteve na primeira edição do “Afropunk”.O ‘Afropunk’ disponibilizou espaço para pessoas PcDsMas não tem jeito, o incômodo maior com as pessoas ouvidas pela reportagem do Hypeness foi a distância do banheiro, sobretudo para os que estavam no lounge, um espaço de camarote que ficou superlotado por causa da chuva. Outro ponto que impossibilitou a acessibilidade foram os focos de alagamento no caminho para os banheiros químicos.“Algumas pessoas não sabiam muito bem a localização e a limpeza estava escassa. Poderia ser mais perto, porque se você é uma pessoa com mobilidade reduzida e vem sozinha, se cansa muito para chegar no banheiro, perder o show. Achei que fica muito longe. Precisa existir um olhar mais sensível. Nós queremos algo mais cômodo como todo mundo”, arrebatou Maeli. O compromisso do “Afropunk” com a acessibilidade PcD esteve visível na representatividade de pessoas com deficiência que fizeram parte, por exemplo, da equipe Posso Ajudar?, que tira dúvidas e orienta o público. Nós conversamos com Ofir Souza, com “34 anos muito bem vividos”, segundo disse toda sorridente para nossa reportagem. A jovem tem uma deficiência que se chama paraparesia espástica, que atinge a medula nervosa.Ofir trabalhou como coordenadora da equipe do Posso ajudar? “A gente tem um foco de estabelecer a acessibilidade para todos, em especial os PcDs. Mas eu utilizo meu olhar para todas as pessoas”, ressalta, também ao Hypeness.Rampas foram colocadas ao longo do Parque de ExposiçõesOfir Souza esteve à frente de um setor com uma plataforma reservada para PcDs próximo de um dos palcos do “Afropunk”.“A gente tá trabalhando nisso há algum tempo. É a primeira edição que o Afropunk desperta para a acessibilidade. Temos muito o que melhorar, mas chegamos ao máximo do ideal possível”, encerrou. “Foram criadas duas plataformas voltadas para o público PcD, e um acompanhante para cada pessoa.” O “Afropunk” ofereceu, de forma gratuita, um equipamento de audiodescrição para pessoas com nenhuma ou baixa visão, além de ter uma equipe especializada em Libras traduzindo os shows para o público em geral.“Disponibilizamos ainda cadeiras de rodas”, contou Ofeni, que curtiu o show de Baco Exu do Blues enquanto trabalhava. “A inclusão é importante demais. Eu tenho uma irmã um ano mais nova que tem síndrome de Down e autismo. Minha mãe biológica fundou um coletivo que se chama ‘Criando Asas’. Esse pensar vem muito por conta das experiências que a gente vive em família”, conta. “Eu me sinto incluída, muito mais do que integrada. Porque uma vez que eles pensam em mim, pessoa com deficiência, para repartir a minha experiência em um festival de tamanha proporção, eu acredito que isso é perfeito. A questão prática só domina quem passa”, concluiu Ofir.Fonte: Hypeness