A dengue, causada pelo vírus transmitido pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti e, em menor proporção, do Aedes albopictus, é uma doença aguda caracterizada principalmente por febre alta, dores pelo corpo e vermelhidão na pele. Os primeiros sintomas começam, em média, cinco dias após a picada, período chamado de incubação.
Os sintomas podem se agravar ao fim da primeira semana e ficarem piores em uma pequena fração de pessoas. Estes casos, classificados como dengue com sinais de alerta e dengue grave pela Organização Mundial da Saúde (OMS), são os mais preocupantes.
Na dengue com sinais de alerta podem aparecer, além dos sintomas clássicos, pequenas quantidades de sangue nas mucosas, hematomas, dor abdominal, vômitos, desidratação, inquietação, tontura, cansaço e sonolência excessivos.
Na dengue grave, a que mais preocupa, ocorre maior reação inflamatória sistêmica, que altera a coagulação do sangue e acarreta a perda de líquidos.
A consequência pode ser uma hemorragia intensa e uma queda súbita da pressão arterial, responsáveis pelo choque associado à dengue, principal causa de óbito. A manifestação grave era conhecida como dengue hemorrágica, mas o termo entrou em desuso diante das demais características envolvidas.
O contingente de pessoas com as manifestações graves é pequeno quando comparado à incidência total da doença. Dos 3 milhões de casos confirmados de dengue no Brasil em 2023, apenas 0,1% apresentaram a pior face da doença, de acordo com a OMS.
Porém, como o número de casos continua subindo em 2024, essa pequena percentagem pode ter um grande impacto, pressionando ainda mais os serviços de saúde, um drama vivido na pandemia de Covid-19.
O Brasil registrou mais de 1 milhão de casos suspeitos e dezenas de mortes por dengue em 2024 até o início de março de 2024, segundo o Ministério da Saúde, um aumento muito significativo em relação ao mesmo período de 2023.
Essa situação faz parte de um grande aumento global da doença, que já registrou 5 milhões de casos e mais de 5 mil óbitos em 80 países, como bem destacou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, em sua mais recente visita ao Brasil. Por isso, é importante o Estado ampliar ações de enfrentamento em caso de uma eventual aceleração da doença.
No início de fevereiro, o Governo do Estado de São Paulo criou o Centro de Operações de Emergências para mobilizar esforços de combate à dengue. De sua parte, o Ministério da Saúde também instituiu o Centro de Operação de Emergências da Dengue, em conjunto com gestores de saúde estaduais e municipais, para analisar a evolução dos casos e mobilizar ações. Mas a população também pode ajudar, já que, segundo levantamento do governo federal, mais de 70% dos focos do mosquito estão dentro de residências.
Principais vítimas da dengue grave
Além dos números, precisamos nos atentar sobre as principais vítimas da dengue grave para protegê-las: as crianças pequenas e as pessoas de idade avançada com comorbidades. Estes públicos poderão ter mais dificuldades diante de infecções graves por questões imunitárias.
Outro fator importante relacionado à dengue grave é que ela é mais frequente na segunda e terceira infecção. Como são quatro vírus causadores da dengue, o DENV-1, DENV-2, DENV-3, DENV-4, uma pessoa pode ser infectada quatro vezes. A chance de desenvolver os sintomas mais graves na primeira infecção é muito baixa, mas na segunda e na terceira pode aumentar, sobretudo entre aqueles que fazem parte dos grupos com comorbidades.
Isso acontece porque, aparentemente, os anticorpos produzidos pelo organismo contra o primeiro vírus facilitam a entrada de um segundo vírus, que não é totalmente neutralizado. Ele entraria mais facilmente nas células e se multiplicaria com mais rapidez. Este mecanismo é chamado “agravamento dependente de anticorpos”. Com o número de casos subindo, o fenômeno precisa receber atenção especial.
Em linhas gerais, é preciso fazer o seguinte raciocínio: para evitar essa situação intermediária, é preferível ter a proteção contra todos os quatro tipos de vírus da dengue. Em tempos de surtos cíclicos, não podemos mais ficar descobertos. Caberá, então, à vacinação nos ajudar a atingir essa meta.
Vacina em dose única pode virar o jogo
A vacina contra dengue deve ser capaz de garantir uma alta eficácia contra os quatro vírus que causam a doença, ser segura para a saúde humana e capaz de ajudar a conter o alastramento da transmissão.
Isto é, deve induzir uma proteção contra, no mínimo, três e, preferencialmente, contra os quatro vírus da dengue ao mesmo tempo, como se fossem quatro vacinas em uma. Isso significa ter um desempenho equilibrado das quatro cepas em sua composição, evitando uma possível proteção parcial e um risco aumentando de doença grave.
Oferecer essa possibilidade em menos tempo, ou seja, em dose única, sem a necessidade de meses entre as doses, pode ser a virada de jogo para garantir uma proteção completa mais rapidamente, evitando novos surtos e protegendo quem mais precisa.
O Instituto Butantan se dedica ao desenvolvimento de uma vacina contra dengue desde o final dos anos de 1990, por iniciativa do então diretor do Instituto, o professor Isaias Raw (1927-2022).
Publicamos recentemente os resultados primários de fase 3 da candidata a vacina no periódico The New England Journal of Medicine, uma das revistas médicas mais prestigiadas do mundo, atestando o rigor, a importância e o impacto de seu resultado.
Com apenas uma injeção, confere uma boa proteção em uma faixa etária bastante elástica, de dois a 60 anos incompletos, conforme os resultados publicados. Também tem o diferencial de poder ser aplicada em quem já contraiu ou não a dengue.
A proteção foi observada em todas as faixas etárias, sendo de 90% em adultos de 18 a 59 anos, de 77,8% na faixa dos 7 aos 17 anos e de 80,1% nas crianças de 2 a 6 anos.
A análise de eficácia do imunizante foi feita ao longo de dois anos, com pouco menos de 17 mil voluntários em 16 centros de pesquisa. O estudo está em fase final e vai completar o seguimento do último de seus voluntários em junho de 2024.
O próximo passo será finalizar o dossiê com todas as informações do estudo para entrar com pedido de registro da vacina na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) até o segundo semestre de 2024.
O Butantan mantém permanente diálogo com a Anvisa para acelerar este procedimento de forma responsável, levando em conta os possíveis ajustes e melhorias de processos e a necessidade de contribuir no combate a este problema de saúde pública.
Em paralelo, o Instituto trabalha para aumentar sua capacidade de produção, a fim de ofertar o máximo possível de doses da vacina contra dengue para a população brasileira.
O Butantan também mantém estreita comunicação com o Ministério da Saúde, com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e mesmo com a OMS na disposição de colaborar com os esforços coletivos no enfrentamento da dengue no Brasil e na América Latina.
Em tempos de avanço mundial da dengue devido às mudanças climáticas, a chegada de uma nova vacina de dose única para evitar epidemias e mais mortes pode ser arma fundamental no enfrentamento da dengue. A Butantan-DV tem os predicados para ser uma importante ferramenta para a saúde pública brasileira.
*O artigo foi escrito pelo diretor do Instituto Butantan, Esper Georges Kallás, que também é professor titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), e publicado na plataforma The Conversation Brasil.
Fonte: Metrópoles