São Paulo — Um mês após a morte do menino Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, durante uma ação da Polícia Militar (PM) no Morro do São Bento, em Santos, a família ainda aguarda a conclusão do inquérito. A merendeira Beatriz da Silva Rosa, mãe do garoto, tem mais dois filhos e tenta, dia a dia, manter a sanidade em meio à dor profunda de um ano marcado pelo luto. Ela já tinha perdido o marido, em fevereiro, também durante operação policial.
“Nesses dias, estava sentada no sofá e vi meu filho mais velho soluçando para caramba. Falei ‘o que foi?’ E vi que ele estava vendo os vídeos do irmão [Ryan]. Ele não é de chorar, é fechadão, na dele. Mas se é difícil para a gente, imagina para eles”, diz Beatriz.
A família ainda não foi informada oficialmente se a bala que matou a criança foi disparada por um policial. Entretanto, o tenente-coronel Emerson Massera, porta-voz da corporação, já tinha antecipado em entrevista coletiva no dia seguinte à ação que, provavelmente, o disparo tinha partido da arma de um policial militar. “Tudo indica que, pela dinâmica da ocorrência e pela forma como o cenário se dispôs, esse disparo provavelmente partiu da arma de um policial”, disse.
Beatriz também afirma que não foi procurada pelas autoridades de segurança pública, agora que está sem o marido e o filho de quatro anos, cuidando de suas duas crianças. “Só a prefeitura [de Santos] que ofereceu apoio psicológico. Deles [segurança pública], ninguém”, afirma.
A dor de Beatriz não tem fim e soma-se à perda recente da avó que a criou. Mas, uma data marca o começo da sucessão de tragédias. Em 9 de fevereiro, em meio à Operação Verão, ela perdeu o marido, Leonel Andrade Santos, de 36 anos, que ficou conhecido como o homem que usava muletas ao ser atingido por tiros de fuzil disparados por PMs do Comando de Operações Especiais (COE). Na versão oficial, ele estaria armado e teria atirado, antes de ser baleado e morto. A versão sempre foi contestada pela família.
No mês seguinte, ao conversar com a reportagem do Metrópoles no topo do Morro do São Bento, Beatriz contou que Ryan, então com 3 anos, dizia que queria morrer para encontrar o pai.
A dor das crianças e os lutos sucessivos envolvem a rotina de Beatriz como mortalha em vida. “As crianças não querem ir para a escola e já está tudo bem difícil para eles. Como é criança, ainda tem um pouquinho da pureza. Tem o dia de brincar, tem aquele dia em que vem a falta”, diz. “Eles estavam se recuperando da perda do pai. Agora, perderam o irmão”, diz.
Os porquês tão comuns nas vidas das crianças trazem um peso fúnebre no caso dos dois filhos de Beatriz. “Mas por quê? Meu irmão tinha só quatro anos”, diz Beatriz, sobre o que escuta dos filhos.
A família mudou de casa depois das tragédias e tenta se reestruturar tanto das dores da alma, como também materialmente, tanto que ainda tenta encontrar recursos para ter um novo guarda-roupa e uma televisão.
O fim de ano também trouxe consigo pedidos que Papai Noel nenhum consegue realizar, segundo Beatriz. “Chegou a vez do priminho pedir para a irmã dele escrever a cartinha e disse que foi um menininho bom, cuidou do cachorro, e o que queria de presente era o Ryan de volta. Como a gente devolve esse presente para as crianças? A gente fica arrasada.”
A merendeira diz que não sabe se continuaria a viver, caso não tivesse os dois filhos para criar, e que pensamentos ruins já passaram pela sua cabeça. Entretanto, mantém a fé, mesmo em um ciclo de provações que, para muitos, é insuportável só de pensar.
“Já questionei ‘Deus, o senhor não está vendo tanto sofrimento? Mas o que escuto dentro de mim é Deus falando ‘suporta o processo, que mais para frente eu vou te mostrar’. Todo dia assim, levantando, mesmo esgotada, e pensando em suportar o processo. Ele vai me responder lá na frente, é o que eu espero”, afirma. “Não perdi meu marido e meu filho em vão. Não é possível.”
Nem mesmo velório e enterro do filho caçula foi momento de trégua para Beatriz e família, com PMs tumultuando as homenagens à criança, como relataram as pessoas que estiveram presentes. Entretanto, a merendeira diz que não quer confronto, busca justiça e luta apenas para que não haja outros Ryans mortos em ações policiais. “A gente ora e acredita que tenha um futuro para as crianças.”
O que diz a SSP
A SSP afirma que o caso é “rigorosamente investigado pela Deic de Santos e pela Polícia Militar”.
“Os agentes envolvidos na ocorrência estão afastados da atividade operacional. A autoridade policial solicitou perícia complementar no local dos fatos, a qual foi acompanhada por familiares da vítima. Diligências prosseguem visando o total esclarecimento dos fatos”, diz, em nota.
Sobre as denúncias relacionadas ao velório do menino de 4 anos, a SSP diz que são “minuciosamente analisadas pela PM, que intensificou o patrulhamento na região após o ocorrido com um único objetivo: identificar e prender os autores do ataque aos policiais”.
A SSP não respondeu se alguma autoridade de segurança pública procurou a mãe da criança entre o dia da morte e a manhã desta quinta (5/12).
Fonte: Metrópoles