André de Camargo Aranha, empresário que foi acusado de estuprar a influencer Mari Ferrer – (crédito: Reprodução/Internet)
André de Camargo Aranha, empresário que foi acusado de estuprar a influencer Mari Ferrer – (crédito: Reprodução/Internet)
A consideração de inocência pela Justiça de Santa Catarina do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a jovem catarinense Mariana Ferrer, de 23 anos, durante uma festa em 2018, voltou a tona, nesta terça-feira (3/11), após a divulgação de um vídeo da audiência em que o advogado do empresário, Cláudio Gastão da Rosa Filho, humilha Mariana. Para além das críticas dirigidas ao defensor, que envolveu até ministro do STF, o mundo jurídico se voltou a discutir o que seria o praticamente inédito “estupro culposo”, ou seja, sem intenção que ocorra, crime não tipificado no Código Penal brasileiro – e que, por isso, levou à absolvição do denunciado. Em reação ao caso, protestos foram organizados em partes do país, incluindo ato em Brasília.
Sobre a conduta dos homens envolvidos no julgamento do caso, as consequências já começaram a se desenvolver. Na tarde desta terça-feira (3/11), o conselheiro Henrique Ávila entrou com o pedido para a Corregedoria Nacional de Justiça abrir uma reclamação disciplinar contra o juiz do caso. No pedido, ele afirma que o registro “equivale a uma sessão de tortura psicológica”.
Até mesmo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes se pronunciou sobre o caso e disse que a conduta do advogado precisa ser apurada. “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, afirmou.
O vídeo em questão foi trazido à tona em reportagem do The Intercept Brasil, que denunciou a condução do caso e teve acessos aos registros do julgamento. Para a advogada Soraia Mendes, especialista em direito das mulheres, esta é a realidade enfrentada por diversas mulheres quando são as vítimas da situação e que casos como esse precisam ser revistos. “A vítima no Brasil é tratada pior do que se fosse a ré”, afirma.
“O caso da Mariana é mais um de violação de direitos. Teria de se considerar nulo esse ato assim como os demais”, opina. “A audiência é absurda. A forma como o Ministério Público também acaba agindo, é absurda. Chega em um momento que o juiz pede para ela se recompor. Ela está destruída. Aquela é a realidade e o dia a dia das mulheres vítimas de violência sexual”, completa.
Estupro culposo
A tese inicialmente apresentada no processo pelo Ministério Público era estupro de vulnerável. Porém, nas alegações finais, o próprio MP entendeu que não tinha como comprovar que a jovem não estava em sã consciência e que por isso, não havia dolo. Como não existe a previsão no Código Penal de estupro culposo, Aranha foi inocentando. Nesta terça-feira (3/11), a defesa de Mariana Ferrer dissse que vai recorrer da decisão.
Segundo o advogado David Mertzker, criminalista sócio da Metzker Advocacia, existem duas possibilidades para que haja esse tipo de entendimento: quando não tem como comprovar se a pessoa tinha consciência e quando há um erro de tipo. “O estupro de vulnerável é quando a pessoa não tinha discernimento do que estava fazendo, por exemplo, tinha algo na bebida dela. Já o erro do tipo, é quando ele não tem o devido conhecimento se a vítima tinha ou não discernimento”, destaca.
Dessa forma, segundo a advogada Rayssa Martins, não se teve a comprovação e por isso não houve como ter a condenação. “O Ministério Público tem a função de acusar por meio da denúncia, após a instrução probatória, ou seja, após ter acesso a todas as provas pode requerer a absolvição ou a condenação do acusado, mas quem decide se vai condenar ou absolver é o juiz da causa, o qual não está obrigado a seguir o que opina o Ministério Público ou a defesa. Nesse caso, especificamente, é difícil saber o que motivou o Ministério Público a entender que a conduta se trata de um estupro culposo, logo um ato atípico. A modalidade culposa só é punida se prevista em lei, contudo o crime de estupro culposo não é previsto no Código Penal, então, se o agente agiu sem o dolo, não pode ser condenado por estupro”, explica.
Segundo Soraia, o Ministério Público apontou para inexistência de provas que pudessem comprovar o estupro de vulnerável, ou seja, que a vítima não consentiu ou não tinha condições de consentir com o ato sexual. “É impossível a tese de estupro culposo, porque só existe a modalidade culpa quando expressa na lei. Ele foi denunciado por estupro de vulnerável e o juiz vai concluir a inexistência de comprovação de estupro de vulnerável, por isso ele acaba absolvendo o réu”, explica.
De acordo com a advogada Mariana Zopelar, criminalista da banca Fenelon Costódio Advocacia, o que aconteceu foi um erro de nomenclatura. “O juiz se utilizou do instituto penal conhecido como erro de tipo, tipificado no art. 20 do Código Penal e não o estupro culposo, que sequer existe. Provavelmente houve uma designação equivocada na nomenclatura do instituto. O que se sustentou na sentença foi a ausência de comprovação de que André tivesse ciência que Mariana não poderia oferecer resistência ao ato sexual, não tendo, portanto, o dolo”, explica. “É necessário se ater aos termos corretos, para evitar que criemos a ideia de um novo tipo penal que não tem efeito no sistema de justiça”, esclarece.
Fonte: Correio Braziliense