Embora o isolamento social seja uma das medidas mais eficazes para controlar a pandemia de coronavírus, o distanciamento pode afetar a saúde mental das pessoas, inclusive no quesito autoimagem corporal. Cientistas da Universidade de Cambridge, da Universidade de Bath (ambas no Reino Unido) e da Norwegian Business School, na Noruega, descobriram que o desejo por perder peso ou desenvolver músculos estão entre os principais problemas de imagem corporal agravados pelo “novo normal”. O estudo, já disponível em versão pré-print, será publicado na edição de fevereiro de 2021 do periódico Personality and Individual Differences.
O trabalho envolveu 506 adultos do Reino Unido de 18 a 73 anos. Homens e mulheres reagiram de formas diferentes aos efeitos negativos do estresse e da ansiedade. Enquanto elas parecem ter se sentido pressionadas a aceitar padrões estéticos tradicionalmente “femininos”, como ter um corpo magro, os homens se sentiram mais cobrados a ter autoconfiança e status, o que teria desencadeado o desejo por um corpo mais musculoso. A insatisfação em relação ao excesso de gordura corporal esteve presente entre ambos os gêneros.
Primeiro, os participantes responderam a um questionário que avaliou situações estressantes em suas vidas no mês anterior. Outro questionário avaliou a percepção de estresse dos voluntário, para medir como cada um responde ao estímulo. Um terceiro levantamento analisou como a Covid-19 afetou a percepção de estresse dos participantes e, por fim, todos responderam perguntas sobre como se sentiam em relação a seus próprios corpos.
No trabalho, os pesquisadores escreveram que é possível que essas descobertas reflitam as experiências vividas por mulheres em condições de isolamento. “O medo induz a ansiedade e estimula o ganho de peso devido a mudanças na rotina durante o bloqueio (por exemplo, dietas mais pobres, exercícios menos frequentes), maior pressão para se conformar aos papéis e normas tradicionalmente femininos e mensagens sobre autoaperfeiçoamento podem levar as mulheres a se sentirem insatisfeitas com seus corpos”, detalharam.
Nos homens, as descobertas podem refletir a maneira como o estresse e a ansiedade impactam os relacionamentos deles com seus corpos, particularmente em termos de ideais corporais masculinos. Segundo os pesquisadores, como a masculinidade hegemônica enfatiza o valor da resistência, autoconfiança e busca de status, o estresse e a ansiedade relacionados ao coronavírus podem levar os homens a dar mais valor à importância de ser musculoso.
De acordo com os pesquisadores, estudos pré-pandemia já demonstraram que uma vida estressante está associada a uma maior insatisfação corporal. Pessoas com tendência à ansiedade também teriam maior tendência a ficarem insatisfeitas com seus corpos.
Estresse e saúde mental
Os resultados da pesquisa sugerem que o aumento nos problemas de imagem corporal podem ter repercussões graves, incluindo o desencadeamento de transtornos alimentares e de imagem, como anorexia e bulimia. “Este novo estudo se soma a pesquisas recentes que indicam medos em torno de Covid-19. As consequências das restrições introduzidas para ajudar a combatê-la podem estar contribuindo para uma série de problemas graves de saúde mental”, explica Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).
Outro transtorno alimentar muito frequente nos dias atuais, segundo Garcez, é a compulsão alimentar periódica, no qual as pessoas apresentam episódios de compulsão alimentar mas não utilizam métodos purgativos para eliminar os alimentos ingeridos. “Essas são patologias que necessitam atendimento médico, com acompanhamento multidisciplinar. Se a pessoa identificar que não consegue se controlar e que os episódios estão muito frequentes, deve procurar atendimento, mesmo que seja à distância”, alerta a médica.
Para a especialista, é possível que a ansiedade e o estresse causados pelo coronavírus possam ter diminuído os mecanismos de enfrentamento que normalmente usamos para ajudar a controlar pensamentos negativos.
O isolamento trouxe, ainda, a necessidade de home office. Estar conectado o tempo inteiro também pode ser um perigo para a autoimagem, de acordo com Mário Farinazzo, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e chefe do setor de Rinologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Há uma influência indireta para um risco acentuado de desenvolver também distúrbios de imagem, como a dismorfia, que segundo estudos, nos últimos anos já vem crescendo em virtude do uso do Instagram”, explica o médico.
Mais tempo de tela também pode ter nos deixado mais propensos a ser expostos a ideais atléticos ou magros, segundo Mário Farinazzo. “A diminuição da atividade física pode ter aumentado os pensamentos negativos sobre peso ou forma”, acrescenta o cirurgião plástico.
Fonte: Metrópoles