
Morar perto de uma via movimentada causa transtornos diversos, como dificuldade para estacionar na própria garagem, trabalhar e dormir. Os problemas podem ser ainda mais sérios, com efeitos sistêmicos. Uma pesquisa publicada, nesta semana, na revista JACC: Advances, um dos periódicos do Journal of the American College of Cardiology, mostra que viver em um local com constante barulho de trânsito desencadeia o aumento da pressão arterial.O estudo desenvolvido pelo American College of Cardiology e liderado por Jing Huang, professor da Universidade de Pequim, na China, é o primeiro a estabelecer essa relação de causa e efeito, segundo os autores. Investigações anteriores mostraram uma conexão significativa entre o tráfego rodoviário ruidoso e o aumento do risco de hipertensão. Porém, não estava claro quem desempenhava um papel maior: o ruído ou a poluição do ar. “Ficamos um pouco surpresos ao constatar que a associação entre o ruído do tráfego rodoviário e a hipertensão foi robusta mesmo após o ajuste para a poluição do ar”, relata, em nota, Huang.Para chegar à conclusão, a equipe analisou dados colhidos de mais de 246 mil habitantes do Reino Unido, com idades entre 40 e 69 anos, sem o diagnóstico de pressão alta no início do acompanhamento, que durou, em média, 8,1 anos . O barulho do trânsito próximo a casa dessas pessoas foi estimado com base no endereço residencial e utilizando o Método de Avaliação de Ruído Comum, uma ferramenta europeia.Os pesquisadores verificaram que pessoas que moravam em locais com barulho de trânsito estavam mais propensas a desenvolverem hipertensão. Segundo Huang, dos 246.477 participantes, 21.140 apresentaram incidência de hipertensão primária, o equivalente a 8,5% da amostra. Também foi observado que esse risco aumentava à medida que elevavam os níveis de barulho ao qual o morador era exposto.”Dos participantes, 6,2% foram expostos a barulho de trânsito com intensidade maior que 65 decibéis, 5,9%, entre 60 e 65 decibéis, 35,9%, entre 55 e 60″, detalha o pesquisador.Políticas públicas
A associação entre barulho de tráfego e pressão alta se manteve mesmo quando os cientistas consideraram a poluição do ar causada por dióxido de nitrogênio e pequenas partículas. Um ponto chamou a atenção da equipe: os participantes expostos aos dois fenômenos apresentaram risco ainda maior de desenvolver hipertensão. O líder da pesquisa aponta para a importância desse tipo de estudo. “Essas descobertas indicam que a formulação de políticas pode aliviar os impactos adversos do ruído do tráfego rodoviário como um esforço social.”Em comentário publicado na mesma edição da JACC: Advances, Jiandong Zhang, bolsista de doenças cardiovasculares na Divisão de Cardiologia da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, também indica a aplicabilidade ampliada do estudo. “Os dados demonstrados fornecem evidências de maior qualidade para justificar o potencial de modificar o ruído do tráfego rodoviário e a poluição do ar tanto a nível individual quanto social, na melhoria da saúde cardiovascular”, afirma.Cardiologista do Hospital Daher, Benedita Ferreira Machado lembra que a hipertensão, doença que acomete cerca de 25% da população brasileira, pode ter causas multifatoriais, como questões genéticas, hábitos de vida e condições socioeconômicas. “Ao contrário do que a maioria pensa, em apenas 5% dos casos ela pode ser secundária a algum problema hormonal ou mesmo ter uma causa específica.”Aumento do risco de morte
“Há tempos, os estudos vinham mostrando que havia uma associação entre fatores socioambientais comuns da vida moderna e um risco aumentado de eventos cardíacos. Recentemente, evidências mais robustas conseguiram provar uma relação direta de causalidade entre eles. E mais que isso, essa relação se deu de forma independente e com um efeito de dose acumulada. No caso da hipertensão, sabemos, agora, que os níveis de poluição do ar e a taxa de ruídos sonoros nas grandes cidades são causas relevantes para o aumento da pressão, e esse pode ser o principal motivo para o aumento do risco de morte por doenças cardíacas em muitos pacientes.”Benedita Ferreira Machado, cardiologista do Hospital DaherFonte: Correio Braziliense





