Quais os sentimentos e as experiências que unem mulheres com câncer de mama no mundo? Quais os fatores sociais, culturais e econômicos que as diferenciam? Esses são alguns questionamentos que transitam na websérie pernambucana Além da cura: O que nos une, dirigida pela jornalista Bruna Monteiro. Com apoio de crowdfunding, as filmagens visitaram países de cinco continentes para conhecer a realidade de diferentes mulheres. Inicialmente, a ideia era lançar um longa-metragem nos cinemas, mas o contexto da pandemia fez o conteúdo se transformar em uma série com cinco episódios. Aproveitando a campanha Outubro Rosa, os episódios foram lançados neste domingo (25/10) nas plataformas do projeto na internet.
O Além da cura começou em 2015, quando Bruna Monteiro conviveu com um amigo que descobriu o câncer. Ela se formou em jornalismo e escreveu o livro O peso do vento, que contou histórias de quatro mulheres que lidaram com a doença. “Eu percebi que as pessoas ficavam muito perdidas quando descobriram os diagnósticos. Existe todo um tabu em torno do câncer, um preconceito, algo que cresce porque falamos pouco sobre isso”, diz Bruna, em entrevista.
“Enfrentar o câncer já é difícil, imagina enfrentar o câncer com a falta de informação? É nesse lugar que o Além da cura atua.” Tendo recebido cerca de 100 voluntários, a startup social produz conteúdo humanizado em diferentes frentes (ensaios fotográficos, curtas-metragens, podcast, palestras), sempre envolvendo a saúde de mulheres. “Como lidamos com uma sociedade que vê uma mulher careca na rua e a trata diferente? O Além da Cura acabou se tornando esse espaço para montar redes de afetos e aprendizados. Percebemos o quanto a falta de informação é um fator que influencia no tratamento e na cura. E para além da cura, essas pessoas merecem dignidade e respeito”, diz Monteiro.
Com apoio financeiro de cerca de 2 mil pessoas através de uma vaquinha virtual, o Além da Cura visitou a França (onde entrevistou Carla Daher), Austrália (Julie Elizabeth McCrossin), India (Kritika Kamthan) e África do Sul (Lindwie Genela). No Brasil, a entrevistada é a pernambucana Monica Fidelis. Cada personagem dá origem a um episódio. Bruna Monteiro relata a experiência com as diferentes realidades: “Algo incomum é uma sobrecarga em relação à família, porque a mulher costuma ser um alicerce da casa. Todas elas relataram esse sentimento de solidão, de ter que apoiar a família ou não poder mostrar vulnerabilidade para os filhos não ficarem mal.” Outro fator importante através dos países foi o acesso à saúde e à informação.
“Quanto mais rápido você tem o diagnóstico, mais rápido você consegue ficar bem. Sendo assim, existem personagens que conseguiram o tratamento gratuito, como na França, mas uma amiga dela do Japão não conseguiu”, diz. “Na África, a personagem revelou que existe um senso de que o câncer seria uma doença de brancos, enquanto a Aids seria uma doença de negros. Como ela desenvolveu câncer, se sentiu uma pessoa amaldiçoada. No Paraíba, entrevistei uma mulher (que não foi para o documentário) que tinha uma tatuagem, então a comunidade local fez acreditar que aquele era o motivo do câncer. A falta de informação pode levar alguém a lugares muito profundos”, compartilha a diretora.
“O que mais impactou foi um momento com a entrevistada da Índia”, continua. “Eu me senti um pouco incomodada por ela estar de burca, por uma questão cultural, e quando perguntei sobre isso ela disse que a vestimenta a ajudou muito no tratamento. Ela falou que, por estar de burca, as pessoas não sabiam que ela estava careca, por exemplo. Então a sua religião, o seu Deus, a ajudou a passar por todo o processo.”
Pandemia
Para Bruna, recolher depoimentos de mulheres de todo o mundo fez a websérie criar um paralelo com o contexto da pandemia do coronavírus. “Percebemos muito como o relato apresenta um certo medo da morte, a importância dos afetos, a saudade de pessoas queridas. Tanto a covid-19 quanto o câncer nos faz perceber a importância de repensar valores. São falas sobre câncer, mas que vão além do câncer. Muitas mulheres perceberam, por exemplo, como estavam dando pouca atenção aos filhos até precisarem parar. São as relações que nos sustentam. Temos que pensar no futuro, mas também precisamos olhar para o agora”, finaliza a jornalista.
Fonte: Correio Braziliense