Xuxa Meneghel, a rainha dos baixinhos, deu uma entrevista na semana passada a um perfil da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e afirmou que presos deveriam ser utilizados para testagem de remédios e vacinas. A ideia digna de Joseph Mengele defendida pela ‘Rainha dos Baixinhos’ mostra ignorância, racismo e um pensamento recorrente da elite brasileira: a de que quem está na cadeia não é mais gente.
Durante a transmissão ao vivo, Xuxa disse o seguinte:
“Acho que pelo menos serviriam para alguma coisa antes de morrer, para ajudar a salvar vidas com remédios e com tudo. Aí vem o pessoal dos Direitos Humanos e dizer que não podem ser usados. Mas se são pessoas que está provado que irão passar sessenta, cinquenta anos na cadeia e que irão morrer lá, acho que poderiam usar ao menos um pouco da vidas delas para ajudar outras pessoas. Provando remédios, vacinas, provando tudo nessas pessoas”, disse a apresentadora. A fala de Xuxa mostra completo desconhecimento sobre absolutamente tudo que decidiu falar em um canal oficial de Estado.
Primeiro, seria necessário explicar para Xuxa que pessoas no Brasil raramente cumprem “cinquenta, sessenta anos” de cadeia. No Brasil, são raros os casos de pessoas que passam mais de 30 anos na cadeia. Quem passa mais tempo detido é geralmente recluso em instituições psiquiátricas (famoso exemplo é o de Chico Picadinho, que está sob custódia desde 1978, há 43 anos).
Mas Xuxa sabe disso; ela tem educação formal, acompanha jornais e faz parte da elite brasileira. Mas, ainda assim, insiste que essas pessoas só fizeram mal na sua vida e que agora podem fazer o bem. Vamos a alguns dados sobre a população carcerária no Brasil.
O terror do sistema carcerário no Brasil
Em primeiro lugar: 66,7% ou dois terços dos presos brasileiros são negros. O número de pretos presos cresceu nos últimos anos, inclusive: enquanto o número de brancos presos caiu 19%, os negros detidos no sistema carcerário brasileiro aumentaram 14%. Portanto, sempre que alguém fala sobre “os presos” está falando sobre a população negra no Brasil. Não é possível falar de sistema carcerário no Brasil sem falar de raça. A fala de Xuxa é racista.
Um terço dos presos brasileiros aguarda julgamento
Em segundo lugar: desses presos, um terço nunca foram a julgamento. São detidos por prisões preventivas, muitas vezes por crimes leves ou sem vítima. Dos mais de 700 mil presos que temos no país, 31% não receberam uma condenação. No Ceará, por exemplo, 54,3% estão na cadeia sem ser julgados. Isso sem falar que as próprias condenações da Justiça são, em muitos casos, baseadas na raça do réu. A fala de Xuxa não se lembra de que a Justiça pode ser falha. – Prisão de Babiy Querino reforça racismo da Justiça: ‘Pra não chapar eu escrevia’ Em terceiro lugar: não tem essa de “pessoal dos direitos humanos”, Xuxa (aliás, essa frase lembra alguém para vocês?). Até porque eles raramente são colocados em prática no nosso país. É só observar a superlotação dos presídios no Brasil. São 710 mil presos no país, mas temos apenas 423 mil vagas nas celas brasileiras. Curioso, né? A fala de Xuxa não considera direitos humanos básicos e não leva em consideração a precária situação vivida pelos detentos brasileiros.
Superlotação dos presídios mostra que viver numa cadeia no Brasil já é tortura suficiente; experimentos mengelianos são o exagero necessário para a sede de punição da elite branca brasileira
O pensamento de Xuxa, que fala fofo com a defesa dos direitos dos animais e que para os pretos volta para antes de 1888, só mostra o quanto não adianta só lutar pelos direitos animais e aceitar a crueldade com os seres humanos. Aliás, aquele pensamento “gosto mais de animais do que de gente” leva a esse tipo de coisa aí. – Covid-19 matou 190% mais presos em 2021, mostra relatório do CNJ Xuxa, claro, se desculpou. Mas não falou que mudou de ideia. Disse que “usou palavras erradas”. Que as pessoas “a julgaram e julgaram certo”. Não falou sobre os recortes raciais de sua fala, não explicou porque estava equivocada ou anunciou alguma medida de recuperação. Mas se desculpou, né? Depois que inventaram a desculpa nunca mais morreu ninguém, como já dizia Mano Brown.
Fonte: Hypeness