No consultório médico, uma senhora que precisa de medicações para controlar a pressão arterial encerra sua consulta perguntando se pode manter o hábito de tomar uma taça de vinho por dia. O doutor lhe responde que não só pode como deve — “Minha cara, temos acompanhado nos últimos anos uma série de estudos que demonstram que o consumo moderado de álcool reduz o risco de doenças cardiovasculares, incluindo o infarto do coração e o derrame cerebral. Isso significa que quem bebe pouco tem menos eventos cardiovasculares do que aqueles que não bebem. Já o consumo exagerado de álcool provoca um maior risco de doenças cardiovasculares. Veja bem, devemos entender consumo moderado como até duas doses de bebida por dia para homens e uma dose para mulheres. As pesquisas ainda apontam que esse efeito protetor do consumo diário e moderado deixa de existir quando a pessoa exagera na dose, mesmo que seja por apenas um dia no mês”.
Essa mesma senhora ouvirá dos médicos que sua taça de vinho é capaz de reduzir seu risco de doença de Alzheimer e outros tipos de demência. Ouvirá também que já existem estudos que demonstram que o seu hábito também está associado a um envelhecimento com maior nível de independência física e maior longevidade. As bebidas alcoólicas, de uma forma geral, podem promover esses efeitos positivos, mas o vinho tinto parece ser levemente superior, pois, além do álcool, ele possui outras substâncias protetoras, como os flavonoides, incluindo o resveratrol.
Esse discurso ainda é controverso, especialmente quando se pensa no cérebro. Algumas pesquisas realmente mostram que o uso moderado de álcool reduz o risco das doenças citadas acima, enquanto outras apontam na direção contrária. Um grande estudo publicado pelo British Medical Journal evidenciou que o consumo moderado afeta negativamente a estrutura cerebral, assim como as funções cognitivas. O estudo envolveu mais de 500 adultos ingleses por um período superior a 30 anos. E o que foi considerado moderado? Para os padrões ingleses, isso significa quatro cervejas de 600ml por semana ou cinco taças de 175ml de vinho. Para os americanos, o consumo moderado é mais generoso: sete cervejas ou nove taças de vinho por semana. Nenhum desses dois limites foi seguro para o cérebro. Além disso, o uso leve de álcool não atrapalhou o cérebro, mas também não trouxe benefícios. O que é consumo leve? Duas cervejas ou duas a três taças de vinho por semana.
Esta última semana uma pesquisa ainda mais robusta, e publicada pela Nature Communications, aponta que o consumo moderado de álcool está associado à redução do volume cerebral ao longo dos anos, fato que pode ter repercussão no desempenho cognitivo. O consumo leve foi definido, de acordo com os padrões ingleses, como meia taça de vinho ou meia long neck de cerveja por dia e não mostrou nenhum efeito protetor para o volume cerebral. Entretanto, o consumo moderado, uma taça de vinho diária ou uma long neck, já estava associado à redução do tamanho do cérebro.
À luz do conhecimento atual, recomenda-se que os médicos não indiquem o uso de álcool como se fosse um suplemento alimentar para prevenir doenças. Devem recomendar às pessoas que não bebem que continuem sem beber, e às pessoas que já têm o hábito de beber, que não ultrapassem os limites. Além desse impacto negativo no volume cerebral descrito acima, estudos recentes têm demonstrado que o consumo regular de álcool, mesmo em doses leves, está associado a um maior risco de diferentes tipos de câncer, como o de mama, orofaringe e esôfago. Por essa razão, em 2009, o Instituto Nacional do Câncer da França deu início a uma campanha chamada Álcool Zero, defendendo a ideia de que mesmo uma dose diária não é segura.
Devemos evitar em pensar no álcool como um elemento promotor de saúde da população, não só por essas questões apontadas, mas também porque muitas pessoas atravessam a barreira entre o consumo moderado e o consumo exagerado. O exagero é responsável por uma em cada 25 mortes no mundo, e como se não bastasse as mais de duzentas doenças secundárias ao álcool, ainda temos os enormes problemas sociais que estão associados ao seu consumo.
*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília
Fonte: Correio Braziliense