A grandeza de uma cantora como Gal Costa impõe que o tempo verbal se mantenha no presente quando falarmos sobre sua voz, sua obra, seu canto: Gal Costa é – e sempre será assim, soando no agora. A maior cantora da história do Brasil é pilar fundamental e inspiração perpétua para toda e qualquer modernização na música brasileira que tenha ocorrido desde o final dos anos 1960 até hoje, assim como para as que virão a ocorrer: Gal Costa é, e ainda será.Se a música feita no Brasil é uma das mais pungentes e singulares do mundo, essa força necessariamente passa pela voz e o corpo de Gal no palco. Ao mesmo tempo honrando o canto em sussurro, falado e sincopado com que João Gilberto já havia revolucionado a musicalidade nacional, Gal impõe sobre a tradição da bossa nova uma potência que se equipara, quiçá supera, nomes como Ella Fitzgerald, Nina Simone ou Etta James. Gal é a maior e a mais moderna, e profundamente brasileira – e ponto.Entre o cristalino e o explosivo, o erótico e o sagrado, borrando fronteiras com o pincel de quem explora e expande a própria grandeza através da grandeza de seus pares e de seu povo, Gal fez de sua voz e de seu cantar um veículo de construção do nosso imaginário mais livre. O amor, a esperança, a fúria, o mistério, a festa, o espanto: cada sentimentalidade brasileira hoje ressoa pelo timbre inigualável de sua voz.É claro que, diante de tanto, qualquer seleção será injusta: é impossível um recorte que minimamente dê conta do seu legado. De todo modo, as 20 canções aqui selecionadas ajudam a contornar a qualidade, a singularidade e o poder dessa obra, que ajudou a inventar um país melhor – e que faz soar o tamanho do que o Brasil pode ser, pela maior voz que já cantou em português.Divino, MaravilhosoEscrita por Caetano Veloso e Gilberto Gil e lançada em 1968, essa canção foi responsável pela explosão de Gal, superando a quietude do canto inspirado na Bossa Nova, e explorando sua potência para inaugurar um hino de resistência, excelência e modernização da música brasileira.BabyComposta por Caetano a partir de encomenda de Maria Bethânia e lançada em 1968 no disco-manifesto Tropicalia Ou Panis Et Circensis, “Baby” soa como uma bandeira da revolução estética e ética efetuada pelo movimento – e pela voz e cantar de Gal.
A jovem Gal à época da apresentação da canção “Divino, Maravilhoso”, em 1968
A jovem Gal à época da apresentação da canção “Divino, Maravilhoso”, em 1968SebastianaTingindo a genialidade rítmica e poética de Jackson do Pandeiro com as guitarras distorcidas e furiosas de Lanny Gordin inspiradas em Jimi Hendrix, Gal canta à altura da radicalização que propunha no momento de seu primeiro disco, em 1969.Hotel das EstrelasComposta por Jards Macalé e Duda Machado, essa tocante canção foi lançada no disco Legal, de 1970
Vapor BaratoDe autoria de Jards Macalé e Waly Salomão, o clássico “Vapor Barato” saiu do repertório do histórico show “Fatal”, que se tornaria o disco ao vivo Fa-Tal – Gal a Todo Vapor, um dos mais importantes da história da música brasileira, lançado em 1971, para se tornar peça fundamental do imaginário jovem brasileiro.Dê um RolêComposta por Moraes Moreira e Luiz Galvão, dos Novos Baianos, essa icônica canção de 1971 também fez parte do repertório do show “Fatal”, bem como é um ponto alto do histórico disco ao vivo.Mal SecretoPor se tratar de um dos melhores discos de toda a MPB, é natural que Fa-Tal – Gal a Todo Vapor domine parte dessa lista – e a insuperável gravação de “Mal Secreto”, de Waly e Macalé, também compunham o show e o disco de 71.Assum PretoComposta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, “Assum Preto” é um dos momentos mais emocionantes e profundos de Fa-Tal – Gal a Todo Vapor, como um clássico tornado em peça moderna e radical pelo canto de Gal.Lágrimas NegrasComposta por Jorge Mautner e Nelson Jacobina, a canção foi lançada como um dos pontos mais reluzentes do incrível disco Cantar, de 1974.Barato TotalEscrita por Gilberto Gil para se tornar hino e festa na voz de Gal, “Barato Total” abre o disco Cantar, de 1974, com o incrível violão de Gil como cama para a dança e o espírito de uma época representados nessa letra e melodia.Modinha para GabrielaComposta por Dorival Caymmi para abertura da novela “Gabriela”, em 1975, a canção que celebra a liberdade da personagem de Jorge Amado se tornaria bandeira também para a carreira de Gal, e o sucesso desse clássico viria a inspirar a realização do disco Gal Canta Caymmi, no ano seguinte
VatapáComposta por Dorival Caymmi, “Vatapá” abre como um manifesto regional o repertório do igualmente clássico disco Gal Canta Caymmi, de 1976, na qual a cantora relê canções escritas e imortalizadas por Dorival.
Eu Te AmoEscrita por Caetano e lançada como número solo no show “Doces Bárbaros”, reunindo Gal, Bethânia, Caetano e Gil, em 1976, lançado em disco no mesmo ano, “Eu Te Amo” oferece a dimensão da força emocional e do alcance do canto de Gal.A artista se apresentando em Barcelona, na Espanha, em 2005
A artista se apresentando em Barcelona, na Espanha, em 2005MãeLançada no disco Água Viva, de 1978, a canção escrita por Caetano Veloso se confirmaria como peça de sentimentalidade universal em uma das melhores e mais emocionantes gravações de toda a discografia de Gal.Festa do InteriorParte do repertório do disco Fantasia, que alcançou grande sucesso em 1981 – e que também tem clássicos que poderiam estar nessa lista, como “Açaí”, de Djavan, e “Meu Bem, Meu Mal”, de Caetano – , “Festa do Interior” é um frevo que se tornaria emblema nacional pela pena de Moraes Moreira e Abel Silva e o canto de Gal, como canção que sintetiza parte de nosso espírito.Vaca ProfanaConsta que “Vaca Profana” foi escrita por Caetano a pedido da própria Gal, a canção é inspirada na forma como Caetano via a personalidade pública da cantora, para criar seus “refrões mutantes”, lançados com imenso sucesso em 1984 como abertura do disco Profana, em uma das canções mais singulares e interessantes de todo seu repertório.
Chuva de PrataGravada com participação especial da banda Roupa Nova, a canção de Ed Wilson e Ronaldo Bastos alcançaria grande sucesso em 1984, também como parte do repertório disco Profana, solidificando uma fase especialmente popular da carreira da cantora.BrasilComposta por Cazuza e lançada no disco Ideologia, de 1988, a canção de protesto seria regravada por Gal para a abertura da novela “Vale Tudo”, do mesmo ano, e se tornaria símbolo da indignação popular com o período da reabertura e o fim da ditadura.Recanto EscuroLançado em 2011, o disco Recanto foi o trigésimo álbum da carreira de Gal, com todas as músicas escritas por Caetano Veloso, que também produziu o trabalho ao lado de seu filho, Moreno. O disco marcou um retorno popular e de crítica para Gal, reafirmando sua posição no topo das vozes brasileiras: “Recanto Escuro” é sua canção central, funcionando como uma espécie de peça biográfica sobre Gal, e uma carta de amor de Caetano para a cantora.Autotune Autoerótico“Autotune Autoerótico” é parte do repertório de “Recanto”, e celebra a grandeza da voz de Gal, comentando a ferramenta que corrige afinações em gravações – e a própria beleza do timbre humano diante das engenhosidades tecnológicas, que, por mais impressionantes, não serão suficientes jamais sem a sentimentalidade de uma pessoa cantando.Fonte: Hypeness