Vinte anos depois de ter uma parada cardíaca e ser entubada, a francesa Karine, de 49 anos, conseguiu falar algumas palavras pela primeira vez. Ela foi submetida a um transplante de laringe: o procedimento foi o primeiro na França e o terceiro a ser registrado na literatura médica mundial. A operação ocorreu na cidade de Lyon.Karine respirava via traqueostomia há duas décadas. Ela teve a fala comprometida durante a entubação — desde então, não falava nenhuma palavra. A paciente só foi identificada pela equipe médica pelo primeiro nome.O transplante de laringe de Karine ocorreu no início de setembro deste ano e, poucos dias depois, ela já era capaz de falar algumas palavras, mas ainda com a voz fraca. Ela tem feito sessões de fonoaudiologia para reabilitação das cordas vocais, deglutição e respiração.Ela está fazendo tratamento com imunossupressores para evitar a rejeição do órgão, mas está em casa desde o final de outubro.A equipe médica de Lyon apresentou os resultados da operação na última segunda-feira (21/11). Karine não compareceu à coletiva de imprensa, mas explicou por escrito que se voluntariou para o transplante há dez anos na esperança de “voltar a ter uma vida normal”.Ela conta que suas filhas nunca haviam escutado sua voz, mas que está sendo “corajosa e paciente” para lidar com a dor e o trabalho de reaprender a articular as palavras.O transplante de laringe não é comum, uma vez que o órgão é estruturado por nervos muito pequenos e vascularizado por artérias e veias minúsculas que se cruzam. Outra razão é que apesar de problemas na laringe serem incapacitantes para o paciente, não representam risco de vida — por isso, não são prioridade.Processo complicado
O professor Philippe Céruse, chefe do departamento de otorrinolaringologia e cirurgia cérvico-facial do hospital da Cruz Vermelha, foi o responsável por coordenar o procedimento e vem estudando transplantes de laringe há muitos anos.Ele estudou na Colômbia com o médico Luis Fernando Tintinago Londono, que diz ter feito o primeiro transplante de laringe do mundo, mas o procedimento não foi publicado em nenhuma revista científica. Céruse aprendeu a manusear o órgão delicado e, nos últimos anos, vinha procurando um paciente ideal para fazer a cirurgia.Karine foi identificada em 2019, mas a pandemia de Covid-19 impediu a cirurgia. Em 2022, a equipe médica francesa retomou suas atividades em busca de um doador compatível. O desafio era encontrar um voluntário com características anatômicas perfeitamente alinhadas com as do receptor, o que inclui sexo, peso, altura e grupo sanguíneo.A francesa se encaixava perfeitamente e, em 1º de setembro, a equipe de 12 cirurgiões e cerca de 50 funcionários do Hospital Universitário de Lyon deu início à operação. O processo durou 27 horas, cerca de dez horas para a remoção da laringe de Karine e 17 horas para o transplante.Embora os resultados finais precisem de um ano para serem confirmados, Céruse está otimista e sugere a possibilidade de mais transplantes semelhantes em Lyon.O primeiro transplante de laringe do mundo foi realizado em 1998 em Cleveland, nos Estados Unidos. O paciente era um homem que havia perdido as cordas vocais em um acidente de moto. Os outros dois foram registrados na Califórnia, em 2010, e na Polônia, em 2015.Fonte: Metrópoles