É difícil encontrar alguém que nunca tenha adiado uma tarefa essencial para fazer algo que nem era tão importante assim, nem fazia parte das obrigações para cumprir a rotina do dia.


Geralmente, esse adiamento é para realizar atividades irrelevantes, como verificar o que há de novo na timeline das redes sociais, conferir se há mensagens no aplicativo de conversas, dar uma olhada nas notícias do dia, visitar uma promoção que apareceu em um anúncio ou, quem sabe, até comprar um livro sem ter terminado de ler o que está na cabeceira da cama. Quem nunca fez isso?
Nesta entrega, há outras atividades “desnecessárias”. Muitas vezes, esperamos que a motivação reapareça para conseguir terminar aquela atividade essencial que deixamos de lado para procrastinar.
O nome disso pode parecer esquisito, mas procrastinar nada mais é do que deixar para depois, postergar, adiar para amanhã o que você deveria ou poderia terminar de fazer agora. A sabedoria popular já avisa: “Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje”.
“O ato de procrastinar é o comportamento repetido de deixar para depois o que você deveria ter feito hoje. A ideia é que a pessoa posterga uma atividade geralmente importante, não uma atividade irrelevante, e não tem motivação para voltar a fazê-la. A procrastinação não é um transtorno mental em si, mas, quando exagerada, pode sinalizar outros problemas de saúde mental”, explicou a neurocientista Karina Abrahão, professora de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O que leva uma pessoa a procrastinar?
Segundo o psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, vários motivos podem levar à procrastinação, mas nem sempre o ato de procrastinar é ruim – ele pode até ser benéfico, se envolver uma melhora da produtividade, por exemplo.
“Muitas vezes encaramos a procrastinação como algo negativo, mas não necessariamente é. Há casos em que a pessoa está muito cansada, estressada, o que leva a uma inflexibilidade cognitiva, uma limitação da criatividade. Se ela adiar aquela determinada tarefa, o resultado será melhor, mais produtivo. Nesse caso, a procrastinação não foi um ato ruim”, explica.
Kanomata reforça que o ato de procrastinar não é considerado um transtorno mental, mas ressalta que, quando esse comportamento é realizado com muita frequência e de forma a atrapalhar a rotina da pessoa, pode sinalizar um sintoma em meio a um conjunto de outros sinais que podem levar ao diagnóstico de um transtorno mental, como o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), ansiedade generalizada ou depressão.
“O ato de procrastinar é um dos itens a serem preenchidos no critério diagnóstico de TDAH, mas o diagnóstico não se restringe a isso. Procrastinar não é sinônimo de TDAH e muitos outros transtornos podem ter a procrastinação como sintoma, sendo os mais clássicos a depressão e o transtorno de ansiedade generalizada. Na depressão, por exemplo, a pessoa tem um comprometimento da vontade de fazer algo, falta de energia e disposição. Isso faz com que ela não sinta motivação para realizar determinada atividade – e isso vai levar ao ato de procrastinar”, explicou o médico.
Segundo o psiquiatra, existem estudos comportamentais a respeito da procrastinação e diversas maneiras para se explicar esse comportamento. Mas, do ponto de vista neurobiológico, Kanomata diz que ainda não se pode afirmar que exista algum tipo de alteração estrutural ou de funcionamento do cérebro que leve ao ato de procrastinar.
De acordo com Abrahão, a procrastinação normalmente está relacionada com o nível de exigência e cansaço que as pessoas vivem atualmente. “Nosso organismo foi criado originalmente para procurar comida e cuidar da prole. Mas hoje temos uma vida urbana, com muitas tarefas, compromissos e preocupações. O excesso de tarefas nos faz procrastinar por cansaço”, avalia a neurocientista.
Saúde mental
Kanomata ressalta que o risco da procrastinação exagerada é levar para uma pessoa que já possui algum nível de sofrimento, de ansiedade ou de estresse a aumentar esses níveis e ficar ainda mais ansiosa, com sentimento de culpa, de frustração.
“Nos tempos atuais, existe muita cobrança de produtividade no trabalho, o nosso tempo é algo muito valioso. Temos que otimizar ao máximo o nosso tempo para darmos conta de fazer tudo. Quando procrastinamos, isso pode gerar uma perda de produtividade e de eficiência que vai levar a mais estresse, mais ansiedade, mais frustração. Consequentemente isso pode levar ao adoecimento mental pelo estresse crônico”, alertou o psiquiatra.
Como a procrastinação não é uma doença, não existe tratamento farmacológico para esse comportamento. No entanto, se a procrastinação se tornar algo prejudicial, resultando em algum grau de disfuncionalidade e sofrimento mental, é aconselhável buscar a ajuda de um psicólogo para avaliar e compreender os motivos desse comportamento.
Somente quando a procrastinação atingir um nível significativo de incapacidade, resultando no diagnóstico de algum transtorno mental, pode haver a necessidade de intervenção farmacológica. (Agência Einstein)
Fonte: Metrópoles