No Japão do início do século passado, após centenas de anos de isolamento cultural, a intensa modernização e a influência do ocidente subitamente passaram a ser percebidas por toda parte – até mesmo nas caixas de fósforo. Em um país que saia de séculos de isolamento cultural, a partir da segunda metade do século XIX, alguns objetos que hoje podem parecer banais eram, então, verdadeiras revoluções portáteis, como eram as então recém inventadas caixas de fósforo. Soma-se a tal impacto a tradição japonesa para as ilustrações, as artes visuais e mesmo o design, e o que se via nas mesas, nos bolsos e nas mãos que faziam fogo no efervescente Japão que se modernizava em velocidade estonteante, especialmente nos anos 1920, foi a transformação das meras caixinhas em verdadeiras obras de arte.As origens dos palitos inflamáveis remonta à China do século V antes da era comum, mas seu desenvolvimento moderno, portátil e principalmente com a capacidade de ser aceso sem a necessidade de outra fonte de fogo tem início em 1827, a partir do experimento do farmacêutico inglês John Walker com o elemento químico fósforo, em um palito ainda excessivamente grande e perigoso, mas já acendido por fricção. Somente em 1855, porém, a partir do trabalho do sueco Carl Lundström, que os primeiros fósforos seguros, que não corriam o risco de explodir nem de intoxicar ninguém, foram fabricados, utilizando fósforo vermelho, e separando os ingredientes inflamáveis: os palitos ficava dentro da caixa, e a lixa, com material abrasivo, na parte de fora.Ao mesmo tempo em que ocorria na Europa o advento do fósforo como conhecemos, em meados do século XIX se iniciava a abertura do Japão, após mais de dois séculos da política conhecida como “sakoku”, ou país fechado. Com a abertura política e econômica da ilha ao mercado internacional, a partir de 1853, uma verdadeira onda de influência ocidental tomou o país – e, com ela, também chegaram as caixas de fósforo. Para além de um símbolo de modernidade e praticidade, as caixas de fósforo foram transformadas, no Japão como em diversos outros países do mundo, em superfícies perfeitas para a divulgação de bares, restaurantes, produtos, comércios, espetáculos e mais. Fabricadas em blocos de madeira e normalmente estampadas no tradicional estilo Ukiyo-e, as caixas de fósforo japonesas se destacavam pela beleza, a variedade e a elegância de suas ilustrações.Nos anos 1920, a tipografia construtivista e o minimalismo do design da Bauhaus, por exemplo – que, por sua vez, surgiram a partir de forte influência das artes visuais japonesas tradicionais – serviram como estilos perfeitos para estampar uma superfície tão pequena e, ao mesmo tempo, tão eficaz para publicidade: em um contexto em que ainda não havia nem o rádio nem a televisão, um objeto bonito, interessante, moderno, que circulava de mão em mão e que era constantemente retirado dos bolsos em público, funcionava como uma espécie de outdoor portátil. Não é por acaso que hoje, entre os colecionadores, uma caixa de fósforos japonesa do período – que, à época, muitas vezes era distribuída gratuitamente – pode ser vendida por centenas de dólares, como um objeto raro e a peça de arte que de fato é.Fonte: Hypeness