O que era para ser um momento de esperança e recomeço acabou se transformando em um trauma duradouro para dois irmãos do interior da Paraíba. Após meses na fila do SUS aguardando um transplante renal, Genilson dos Santos acreditava que finalmente teria sua vida de volta ao receber um rim saudável do irmão, José Enilson. Mas complicações durante a cirurgia fizeram com que o órgão fosse perdido poucas horas após o procedimento.


O transplante foi realizado em maio de 2022. Genilson entrou na sala cirúrgica às 10h. O prontuário eletrônico indicava que o anestesista escalado para o procedimento deveria permanecer no local até, pelo menos, as 14h30. No entanto, documentos mostram que o mesmo médico constava como integrante da equipe de outra cirurgia, iniciada às 10h30.
De acordo com Genilson, em determinado momento do procedimento, a anestesia teria perdido o efeito. Ele relata ter recobrado a consciência e se movido na mesa, o que teria surpreendido a equipe médica. Um movimento brusco resultou em lesão e desencadeou hemorragia. O quadro evoluiu rapidamente para trombose, e o rim transplantado precisou ser removido.
Esperança frustrada
A cirurgia, que marcaria nova fase na vida dos irmãos, acabou sendo o ponto de partida de uma luta por justiça. O doador, antes saudável, passou a viver com um único rim e cuidados redobrados. Genilson, por sua vez, segue dependente de sessões de diálise três vezes por semana, viajando cerca de 130 km para receber o tratamento.
“Minha vida está prejudicada. Eu estava cheio de esperança. Depois de tanto tempo, a gente acreditava que tudo ia melhorar. Mas saí da sala de cirurgia com a mesma dor — e mais uma cicatriz”, lamentou Genilson.
Hoje, ele vive com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), enquanto o irmão também enfrenta restrições para garantir a própria saúde.
Processo na Justiça
O advogado da família, Paulo Antonio Maia e Silva Júnior, afirma que houve negligência, especialmente do anestesista. “O profissional tinha a responsabilidade de permanecer na sala durante todo o procedimento. Não cabe ao cirurgião monitorar os níveis da anestesia. O erro, nesse caso, começa quando o anestesista divide sua atenção entre duas cirurgias ao mesmo tempo.”
A família move um processo contra o hospital onde o transplante foi realizado e contra o médico responsável pela anestesia. Eles pedem R$ 2 milhões em indenização por danos físicos, emocionais e morais. A audiência de instrução e julgamento está marcada para o dia 10 de junho. A coluna procurou o hospital, que ainda não respondeu. O espaço segue aberto.
Histórico do anestesista
O anestesista envolvido já havia sido expulso da cooperativa estadual da especialidade meses antes do transplante. A decisão foi tomada após reincidência em condutas consideradas antiéticas. Entre os motivos, estava a insistência em realizar mais de um procedimento ao mesmo tempo, prática proibida pelas normas da profissão.
Denúncias anteriores apontavam que o profissional integrava grupos internos nos hospitais que restringiam a atuação de colegas fora desses arranjos, dificultando a livre concorrência e comprometendo a segurança do atendimento.
Segundo o advogado das vítimas, esse tipo de estrutura informal favorece o acúmulo de procedimentos por um mesmo médico, o que, além de antiético, compromete a qualidade da assistência prestada. “Não é possível estar em duas cirurgias ao mesmo tempo com o mesmo grau de atenção. Isso é inaceitável em qualquer área da medicina”, afirmou.
FONTE: METRÓPOLES